Estudos de bebês e diálogos com a sociologia
Organização: Gabriela Tebet
PREFÁCIO
Anete Abramowicz
A obra: Estudos de bebês e diálogos com a Sociologia organizada pela pesquisadora Gabriela Tebet se constitui em um esforço científico, ao reunir artigos nacionais e internacionais sobre os bebês, na perspectiva da sociologia e das ciências sociais. É um trabalho que denota um fôlego acadêmico, que certamente se constituirá em um handbook, uma obra de referência, para aqueles(as) que pretendem se embrenhar sob a analítica da sociologia, para compreender: o que é um bebê? Ao reunir tantos artigos e inúmeras contribuições a partir da perspectiva das ciências sociais, evidencia a emergência e o fortalecimento no Brasil de um campo científico tal como cunhou Bourdieu (1983), que poderíamos denominar “Estudos de bebês”.
Em 1998 a revista internacional de sociologia da educação, Éducation et Sociétés, em seu segundo número escrito em francês, abordou a Sociologia da Infância. No editorial desse número registrava-se: “este segundo número aborda um tema que é largamente prospectivo: a sociologia da infância”. E o editorialista continuava: “há menos de 10 anos, Anne Van Haecht definia a infância como uma terra desconhecida do sociólogo”. Régine Sirota foi quem organizou esse primeiro número sobre a Sociologia da Infância na França, e de certa forma podemos considerar o ano de 1998 como um marco importante na consolidação deste campo científico, já que reúne em um dossiê artigos nesta perspectiva. Neste mesmo número Cléopâtre Montandon fez um balanço da literatura anglo-saxônica sobre a temática. Será hoje a infância ou a criança, após terem se passado 21 anos, uma terra mais conhecida dos sociólogos(as)? A sociologia da infância tomou a criança em sua infância como o lugar de suas pesquisas, criou um campo no qual os(as) sociólogos(as) e outros(as) pesquisadores(as) que aderiram a esta vertente buscaram compreendê-la. Ao mesmo tempo, a Sociologia da Infância alargou as possibilidades teóricas de pensar a criança para além de paradigmas teóricos hegemônicos, como os da Psicologia, por exemplo, e da própria Sociologia de Durkheim, opondo-se à maneira pela qual ele pensou os processos de socialização e a essência anômica da criança, que não poderia compreender as normas e as regras da sociedade. A Sociologia da Infância fez “fugir” dois campos ao mesmo tempo: realizou a crítica à psicologia do desenvolvimento/comportamento e à sociologia da educação. Opôs-se e fez frente à predominância, que se verifica até hoje, da psicologia do desenvolvimento e do comportamento nas pesquisas relativas à primeira infância. Podemos afirmar que a Sociologia da Infância promoveu críticas muito severas à psicologia do desenvolvimento e do comportamento e, ao mesmo tempo, combateu pressupostos que foram tomados durante muito tempo como valendo por si mesmos. Há inúmeros exemplos disso, especialmente nas minuciosas descrições das etapas de desenvolvimento da criança, ou na teoria do apego e, também, na aliança, por vezes, entre a Educação e a Psicologia, com postulados universais, com suas etapas universais, de desenvolvimento e/ou comportamento. São duas áreas que a SI fratura para poder se constituir. A Sociologia da Infância operou uma grande mudança em relação à Sociologia da Educação, cuja analítica sistêmica se dava no plano macrossociológico de funcionamento e se configurava como “um campo saturado”, já que operava suas análises sistêmicas “ignorando” a maneira de operar dos(as) alunos(as), das crianças. Dos anos 1960 até 1980 a Sociologia da Educação francesa, por exemplo, tratou essencialmente sobre as questões da desigualdade social; nesse período os paradigmas eram constituídos pelos problemas que diziam respeito à maneira pela qual a escola reproduzia, por diversos mecanismos, a desigualdade social. A criança, na maioria das vezes, aparecia na paisagem social sem nenhum protagonismo, nenhuma textura.
Quais são os conceitos da sociologia da infância que foram construídos e nos quais operamos? Protagonismo infantil, processos de socialização, estrutura social, infância/criança, autoria social/agência, cultura infantil, geração, etnografia, cultura de pares, estes são os fundamentais. Podemos procurar descrever a processualidade na qual a Sociologia da Infância viveu para se construir como um território legítimo de pesquisa. Ela trouxe em seus movimentos inversões interessantes, novos/outros agenciamentos, novos(as) pesquisadores(as). Produziu um novo olhar sobre as crianças, um movimento contra o adultocentrismo, contra o colonialismo, entre outros. Tomou a fala da criança como valendo por si mesma e produziu uma inversão nos processos de subalternização, como em um movimento político, pois sabemos que são os adultos que falam das/sobre as crianças e que isso faz parte de uma das linhas do processo que chamamos de socialização. É o adulto quem fala na nossa hierárquica ordem discursiva. Os sociólogos anglo-saxões dizem, então, com razão, como Jens Qvortrup (1993), que as crianças são, entre as minorias, as menos protegidas, porque elas não são suas próprias porta-vozes.
No entanto, temos que destacar que ocorreu um avanço das teorias sociais que embasam os estudos das crianças e da infância; todavia, por muito tempo os bebês continuaram ocupando apenas uma condição marginal em tais teorias, mesmo no interior da sociologia da infância, por exemplo. Há uma ausência histórica dos bebês nos estudos da infância nas pesquisas de áreas como história, antropologia, geografia e filosofia e sociologia, que poderiam estabelecer um lugar para os bebês nas ciências sociais. Esta obra anuncia que pretende contribuir para preencher esta lacuna, ao compor um dossiê de tamanha envergadura teórica.
Desde a primeira creche fundada em Paris em 1847 por Firmin Marbeau, um filantropo que, segundo Mozère[2] (2013), criou a Œuvre nouvelle[3] da creche parisiense, aos dias de hoje, cuidar, educar e entender o que é o bebê, significou cartografar uma história múltipla, complexa, que vai desde a ideia que concebeu o bebê como um mero tubo digestivo, segundo o psiquiatra Stanislas Tomkiewicz (apud Mozère, 2013), até o esforço empreendido por Liane Mozère, uma das mais importantes pesquisadoras francesas sobre creches e bebês, que realiza uma análise microssociológica que se propôs a responder a questão ainda contemporânea: “como aceder ao desejo das crianças pequenas (0 a 6 anos) e como abrir espaços-tempos que favoreçam sua expressão, seu desdobramento numa proliferação rizomática”?
Os estudos de bebês têm inúmeros desafios, entre eles, a criação de ferramentas teóricas que ajudem a construir o bebê como figura analítica para favorecer sua expansão e expressão e desse modo impulsionar e solicitar inúmeras possibilidades analíticas – o que este dossiê se propõe a enfrentar. Portanto, como afirma Tebet (2013, p.140),
ponderamos que esses debates aqui iniciados, são apenas parte de um movimento e que visa trazer para as pesquisas sobre bebês, as contribuições dos estudos da infância, fazendo também dos bebês um objeto de interesse da sociologia da infância. Todavia demonstramos nesta tese que este casamento não pode ocorrer a partir da simples extensão dos conceitos da Sociologia da Infância para os estudos dos bebês. Porque os bebês não são crianças! Assim, nem todos os conceitos, e nem todas as metodologias que se aplicam aos estudos das crianças, são adequadas aos estudos dos bebês.
Os estudos dos bebês e esta obra contribuem para a ampliação do campo das possibilidades e para que acreditemos no mundo presente. O nascimento de uma criança é um mundo possível e desconhecido (Abramowicz, 2011).
ISBN 978-85-7993-660-9 [Ebook]978-85-7993-669-2 [Impresso]
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Organizadora:Gabriela Tebet
Ano de lançamento | 2019 |
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ISBN | 978-85-7993-669-2 |
ISBN [e-book] | 978-85-7993-660-9 |
Número de páginas | 633 |
Organização | Gabriela Tebet |
Formato |