Gêneros e sexualidades: a violência de cada dia

Organização: Andréa Cristina Martelli, Kaoana Sopelsa

PREFÁCIO

Ao ser convidada para escrever o Prefácio desse livro, me senti muito feliz, primeiro pelas organizadoras do livro: MULHERES de luta, de raça, de briga, empoderadas e que continuam acreditando e construindo um mundo melhor. Segundo pelas temáticas explanadas nessa coletânea, que conforme as organizadoras tratam de “conceitos analíticos de violência, gênero e educação, perpassando, portanto, formas de violência, pautadas em crenças e discursos heteronormativos e heterocompulsórios, em ações contra as mulheres, a comunidade LGBTQI+, as identidades de gêneros e orientações sexuais, assim como a violência e o abuso sexual contra crianças e adolescentes”.

Ao participarem como coordenadoras de um Grupo de Trabalho (GT) intitulado “Gêneros e sexualidades: as violências de cada dia” no VI Simpósio Internacional de Educação Sexual, Gênero, Sexualidades e diferenças: categorias de análise, (des)territórios de disputa (organizado pelo Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá), durante os dias 24 a 26 de Abril de 2019, na cidade de Maringá-PR, convidaram as pessoas que apresentaram seus trabalhos nesse GT, bem como outras envolvidas em estudos da temática de violência, gênero e sexualidades.

Estudar essas temáticas, em tempos tão difíceis, em um país em que está sendo regido pelo conservadorismo sobre as pautas de gênero e sexualidade, principalmente nos espaços escolares, e em que poucas profissionais de educação estudam sobre esses temas e os reproduzem em sala de aula, visando a (re)produzir uma proposta educacional pautada em respeito, discernimentos e igualdade de gênero.

Esses capítulos, pautados em diversos temas, tais como: discurso de ódio, discriminação por orientação sexual no âmbito familiar, impacto da violência contra a população de lésbicas, gays, bissexuais e travestis (LGBT) na sua condição de vulnerabilidade, sobre trabalho e mulher, papéis de gênero e violência doméstica, abuso sexual, gênero e prisões, mulheres nas letras de músicas, englobando discussões sobre violências que ainda nós, mulheres, vivemos cotidianamente, com as inter-relações entre raça, etnia, classe social, mobilidade social, entre outros aspectos, ainda discriminatórios, preconceituosos e violentos, em todos os sentidos.

Como psicóloga de formação e professora de ensino superior, tanto na graduação quanto na pós-graduação, lato sensu e stricto sensu, há mais de trinta anos, tenho escutado histórias de muitas mulheres sobre violência doméstica, sobre trabalhos domésticos excessivos, cuidados com filhos/as, estudo conciliado com trabalho não bem remunerado, falta de apoio familiar etc. São tantas histórias de humilhações, descrenças, desgastes físicos e emocionais que, com certeza, dariam muitos capítulos de livros.

Assim que escuto essas histórias, procuro redimensioná-las, revertê-las, colaborar na medida em que sinto que essas mulheres estão em situação de vulnerabilidade, em que suas histórias de vida, as amarras do patriarcado, que visam à continuidade da liderança política, da autoridade moral, do privilégio social e do controle das propriedades.

Em nossos estudos, sobre Feminismos, destacamos que o patriarcado é baseado em um sistema de hierarquia baseado nas questões de gênero, que atribui, quase desde o útero, mais valor e supremacia aos homens. As amarras são tão fortes e tão aprisionantes que fazem que tanto homens quanto muitas mulheres, acabem reforçando essas cenas, educando as crianças com as marcas indeléveis de gênero, que separam características ditas para “meninos” e outras para “meninas”, reforçadas pelas roupas, cores, brinquedos, atitudes, ações diferenciadas, destacando mais os homens do que as mulheres, num mundo que se quer heterossexista, como forma de se gostar de alguém.

Sair e romper essas amarras não são muito fáceis, ainda mais em um país que ainda somos controladas, governadas, regidas por homens, geralmente brancos, heterossexuais, que se dizem cristãos e de classe média. São eles que ocupam cargos políticos, dos meios de comunicação, de empresários e, assim, detentores do poder econômico. Enquanto nós, mulheres e pessoas LGBT, priorizandose pessoas negras, que são mais invisibilizadas ainda, não ocuparmos estes cargos, visando à igualdade de direitos, continuaremos colaborando com atitudes machistas, misóginas, violentas que nos calam, nos machucam e nos aprisionam.

Esse livro, recheado de capítulos científicos e por que não, empoderados, visam a aproximar discussões sobre igualdade de direitos, problematizações sobre violências, como também destaque sobre caminhos possíveis para a modificação desse status quo de opressão da mulher, das pessoas LGBT e do patriarcado.

Estudemos muito, lutemos e assim sairemos por aí soltando a nossa voz, e com alguns excertos do poema de Cora Coralina, intitulado Mulher da Vida, feito em 1975, para o Ano Internacional da Mulher, referindo-se às prostitutas e ao invés de lançar sobre essas pessoas um olhar contaminado de preconceito e distanciamento, destaca empatia, acolhimento e união. Que assim sejamos, contra quaisquer formas de violência, preconceitos e abusos: unidas e IRMÃS!

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.
[…] Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Minha irmã.

Dra. Eliane Rose Maio
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação (UEM)

Ano de lançamento

2020

ISBN [e-book]

978-85-7993-827-6

Número de páginas

207

Organização

Andréa Cristina Martelli, Kaoana Sopelsa

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