Memórias da quarentena: cartas às crianças do futuro.

Organização: Beatriz Donda Tanico Neves

PREFÁCIO

Apesar dos [legítimos!] esforços para proteger e poupar a infância de todas as dores que achamos que deveriam ser restritas à vida adulta, os acontecimentos nem sempre respeitam as nossas classificações etárias. Mesmo quando buscamos chamar a atenção das crianças para a parte mais bela e colorida da vida, apresentando o mundo como uma “Aquarela”, não podemos nos furtar de avisá-las que “o futuro […] não tem tempo nem piedade”, e que “sem pedir licença, muda a nossa vida/ e depois convida a rir ou chorar”*. Precisamos alertá-las porque sabemos que os fatos do mundo impõem limites à nossa proteção.

Aprendi com o famoso escritor Bartolomeu Campos de Queirós que não existem dois mundos, um para as crianças e outro para os adultos, que “as emoções são de todos”**. A humanidade inteira se alegra com aquilo que é belo no mundo e que nos traz dignidade. Do mesmo modo, sofremos, todos nós, com as dores, as perdas, as doenças, a pobreza, o desamor, a maldade, a depredação do ambiente e com tudo mais que representa um distanciamento da Vida no seu sentido mais pleno. As crianças também vivem e sentem esse mundo.

Compartilhamos o repertório de emoções humanas, e estamos expostos aos mesmos acontecimentos, mas algo torna a nossa experiência de “assistir ao mundo” algo especial e único: o lugar de onde assistimos.

*Trecho da música Aquarela, de Toquinho.
** Referência ao livro Indez, de Bartolomeu Campos de Queirós

O lugar da infância não é ocupado apenas pelas crianças, mas elas – generosas como são – dividem o seu espaço com a imaginação, com a descoberta, com a fantasia, com o sonho, com a esperança, com a vontade de (re)construir o mundo… E tudo isso muda seu modo de ver as coisas.

Através desse e-book, elaborado pela turma 302 e organizado pela professora Beatriz Donda, os alunos inscrevem suas vivências na História ao compartilharem as percepções que tiveram desse período de pandemia. São leituras de mundo feitas por olhos sensíveis às próprias dores e às dos outros. Que essas cartas possam enriquecer a compreensão de vocês a respeito disso tudo que foi vivido. Penso que essa é uma das contribuições desses textos para vocês, leitores do futuro.

Mas essas cartas também trazem contribuições para aqueles que as produziram e para nós, do tempo presente. Você pode se perguntar: “Por que registrar as lembranças de um momento que foi tão difícil para tantas pessoas? O que há de importante em escrever sobre dor, luto e angústias? O ideal não seria evitar o assunto e fazer o possível para “apagar” estes registros da memória?” De forma alguma. As vivências dolorosas não mexidas ficam calcificadas e pesam dentro de nós.

Não suportamos esse peso na nossa caminhada e, para seguirmos leve, precisamos colocar para fora as nossas dores. Às vezes elas saem em forma de lágrimas, de palavras ditas ou cantadas… E também podem sair, como neste livro, na forma de palavra escrita.

Escrever é registrar na História, mas é também externalizar a dor. E mais que isso: é liberar espaço em nós. Escrevemos para lembrar. Escrevemos para não nos preocuparmos em esquecer. Muitas vezes, cenas que não queremos rever insistem em ser exibidas novamente na tela da memória. E é nessas horas que a escrita ganha um poder especial. Quando deixamos algo registrado, temos a confortável sensação de que aquilo está guardado, seguro, preservado do esquecimento. E assim, liberamos nossa mente para esquecer. Abrimos espaço para as novas memórias, geradas a partir dos novos – e bons – momentos que viveremos depois que isso tudo passar.

Esse livro é, portanto, um abrigo. É um abrigo de memórias que não podem ser esquecidas, mas que não queremos lembrar a todo momento, porque temos uma Vida cheia de experiências maravilhosas para viver!

Marcelle Moreira

Ano de lançamento

2021

ISBN

978-65-5869-418-2

ISBN [e-book]

978-65-5869-419-9

Número de páginas

36

Organização

Beatriz Donda Tanico Neves

Formato