Monumentos ao/do saber, tempos de ensinar, escolarização e magistério: a institucionalização dos grupos escolares mineiros nas páginas da Revista do Ensino
Autoria: Thaís Reis de Assis
PREFÁCIO
Ao iniciarmos a leitura do trabalho de Thaís Reis de Assis, somos fisgados pelas questões propostas pela autora a partir das quais busca compreender a constituição de discursos sobre ensino, docência e magistério por meio de um material riquíssimo, que também nos fisga, a Revista do Ensino. A pesquisadora, em suas análises, nos mostra o funcionamento desta revista enquanto instrumento jurídico, administrativo, pedagógico e de feminilização do Magistério, tecendo um percurso acerca do funcionamento do discurso sobre Educação que circulava durante a 1o República em Minas Gerais e que ecoa até os dias atuais em todo o território nacional.
Na busca pela compreensão desses discursos que circulam sobre educação, docência e magistério, materializados na Revista do Ensino, Thaís Reis de Assis se pauta nos dispositivos teóricos da Análise de Discurso Materialista (doravante AD) e na História das Ideias Linguísticas (doravante HIL). Estas duas teorias foram fundamentais na construção de seu percurso analítico, sendo a HIL, a partir de seu aparato teórico-metodológico, fundamental para compreender a Revista do Ensino como um instrumento político, jurídico e pedagógico que (con)forma discursos sobre metodologias de ensino, sobre o dever docente na 1o. República, se configurando, discursivamente, como um manual. A AD, por sua vez, lhe possibilitou adentrar nos discursos materializados na Revista de uma forma não subjetiva para que compreender os efeitos de sentido acerca de dizeres sobre educação e docência.
Além desse aparato teórico, que orienta seu trabalho de análise, a autora perpassa por uma bibliografia da História da Educação, relevante para que possamos compreender, enquanto leitores, as condições de produção dos discursos acerca da educação presentes em seu material de pesquisa. Para isso, Thaís Assis nos conduz a um percurso histórico que nos mostra a configuração do discurso da e sobre a Educação, bem como a configuração imaginária de uma língua nacional e a responsabilização da educação pelo Estado, com a reforma proposta por Marques de Pombal. Nesse percurso, é posto em evidência a figura do docente e seu processo de constituição no Brasil Colônia e no Brasil Império, que, apesar de sofrer mudanças significativas na 1o. República, alguns aspectos pautados por uma formação discursiva jurídica e religiosa que ecoava desde o Brasil Colônia ainda permaneciam como a questão da moral e a origem social do professor.
Outro ponto fundamental para compreendermos os recortes que comporão o corpus de análise desta pesquisa é o fato de que a escola, após o início da República, “foi usada pelos governantes em seu projeto de controle e homogeneização cultural”, significando o ambiente escolar, assim como o magistério, como formas para a solidificação da formação social republicana. A escola e, por conseguinte a educação, como nos mostra a pesquisadora, se configura como um lugar de controle e de domesticação de corpos, de imposição de formas de divisão do tempo, de (con)formação de modos de ensino e de ser docente, pois, segundo a autora, “ se a principal função da escola, enquanto um aparelho ideológico do Estado, era (con)formar sujeitos disciplinados para ocuparem a posição de cidadãos, o primeiro passo para tal, seria disciplinar os responsáveis por este processo, ou seja, os professores.”
É essa compreensão sobre os discursos que buscam disciplinar os professores que nos faz adentrar nos recortes que a pesquisadora propõe para analisar a Revista do Ensino de Minas Gerais. Um ponto fundamental de suas análises é a tomada de tal revista como um objeto simbólico que tende para uma homogeneização da formação do professor, de sua prática pedagógica por meio da legislação e de exemplos de como deveriam ser, inclusive, o diálogo do professor em sala com os alunos. Ressalta-se, no trabalho de Thaís Reis de Assis, as análises sobre a seção Nossos Concursos, a qual buscava dar visibilidade às ideias de professoras, diretores e inspetores escolares referentes aos planos de aulas e redações sobre o que era considerado, pela Revista, como boas práticas docentes. Na análise discursiva dessa seção, pudemos compreender uma homogeneização do magistério, que legitimava e institucionalizava práticas pedagógicas, como se elas fossem as únicas corretas e aceitáveis na 1a República.
Além dessas questões apresentadas na revista, a autora, de forma delicada e precisa, nos mostra um outro aspecto tratado na Revista do Ensino, a feminilização do magistério, o qual era respaldado pelo discurso pedagógico e pelo discurso jurídico, apresentados na revista, construindo, assim, um imaginário de que o magistério deve ser um lugar ocupado pela mulher, a qual é significada, por sua vez, dentro de uma formação discursiva machista, como a responsável pelo cuidado e pela educação das crianças, ou seja, a docência seria uma ampliação do imaginário social do que deveria ser as funções de uma mãe.
Este livro nos fisga pela memória sobre a formulação de sentidos da/sobre a docência, o ensino primário e o magistério, institucionalizados pela Revista do Ensino na 1o. República, que ressoa até os dias de hoje. É um livro fundamental, portanto, para que, enquanto docentes, possamos compreender os discursos que (con)formam o lugar do professor em nossa sociedade atual, colocando-o, ao mesmo tempo no lugar de uma profissão que se exige um alto nível de especialização, mas que é pouco remunerado, comparado, principalmente, com outras profissões que exigem níveis superiores. É um livro, portanto, que nos faz (re)pensar o lugar da docência e do magistério no Brasil, possibilitando-nos lutar para que outros sentidos e outras formas de significa-los. Convido-os, agora, à leitura dessa obra. E que deixem-se fisgar!
Fernanda Moraes D’Olivo
Ano de lançamento | 2020 |
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Autoria | Thaís Reis de Assis |
ISBN [e-book] | 978-65-87645-36-0 |
Número de páginas | 296 |
Formato |