Uma escola que dialoga e se reinventa: memórias de um processo de autoformação
Organização: Edith Maria Batista Ferreira, Joelma Reis Correia
PREFÁCIO
O que o diálogo não pode enfrentar e conseguir? Particularmente quanto ao desafio de processos de aprendizagem? O que nos revela o testemunho de “Uma escola que dialoga e se reinventa: memórias de um processo de autoformação”? Mais do que meras palavras de sujeitos que se encontram, confrontam e se entrecruzam, o diálogo envolve a própria reinvenção formativa de quem se dispõe a ser mais! Nisto reside o real ‘enfrentamento’ do ‘outro’, reconstituinte do próprio sujeito!
As análises e reflexões acerca de um projeto de alfabetização centrado em atividades de iniciação à leitura e à escrita fundadas, em processos de autoformação, são apresentadas, nesta obra, como marco de sucesso possível! A Apresentação do livro em pauta, síntese dos resultados do acompanhamento de um projeto de formação desenvolvido em parceria entre pesquisadores/formadores universitários e o empenho de professores de ensino básico com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, pretende pôr em destaque alguns elementos fundantes de um processo de ensino/aprendizagem concebido como processo de autoformação, algo aparentemente contraditório por envolver três esferas de atividades: do pesquisador formador, do professor e do aluno.
Não resta dúvida de que a dialogicidade é constituinte do núcleo central dessa experiência pedagógica. Fenômeno humano, ele se revela na palavra dos sujeitos aqui envolvidos, que é ao mesmo tempo ação e reflexão, no movimento solidário transformador do mundo. A palavra verdadeira é práxis, é transformação do mundo, como dizia Freire (2004).
Com inspiração freireana, a busca pelo saber desses professores e pesquisadoras se expressa no Ciclo gnosiológico articulado por esse educador brasileiro. Sem adentrar em detalhamento acerca dessa configuração, importa salientar que os saberes do ensino, ou seja, do educador em ação em contextos devidamente situados, procedem pela busca ontológica do ser mais, visto numa compreensão de complexidade epistemológica, expressa na ação como uma práxis pedagógica, eminentemente reflexiva que articula sujeitos dialeticamente únicos e sociais!
Em síntese, o referido Ciclo gnosiológico se expressa no diálogo entre sujeitos aprendizes da leitura e da escrita do mundo, sendo o contexto escolar espaço de aprendizagem da leitura e da escrita dos seus personagens, ambiente de interações de sujeitos, tanto alunos como professores: lócus de autoformação!
A obra do filósofo Habermas, por sua vez, consolida a referida dimensão da dialogicidade como constituinte do ser humano, o que na expressão deste é sintetizada na dupla racionalidade que move o ser humano: a racionalidade instrumental, que permite a compreensão do mundo dos objetos, possivelmente observáveis nas suas regularidades e determinações; e, a racionalidade comunicativa, própria de sujeitos que habitam o mesmo mundo da vida humana e sua compreensão. Sem delonga neste espaço introdutório, considero importante salientar as aproximações entre a centralidade do diálogo na obra de Paulo Freire e a racionalidade comunicativa como mola do Ser mais em busca de emancipação em Habermas. A convergência de concepção do ser social único proporcionada pelos axiomas da dialogicidade e da racionalidade comunicativa, argumentada pelos dois autores referenciados, consolida a relevância dos processos educacionais e pedagógicos que destacam a autoformação.
Autoformação não se constitui uma concepção que exclui a alteridade! Pelo contrário, em contexto educativo e pedagógico, a dialogicidade/comunicação procede essencialmente na convergência com o outro, sujeito ao mesmo tempo distinto e social, não importando que seja um professor ou outro ser humano. A intersubjetividade não extingue as raízes do sujeito; pelo contrário, as transforma e completa, sem as aniquilar, possibilitando o ser mais e sua emancipação.
Sem adentrar com maior profundidade no fenômeno da mediação pedagógica como elemento essencial para a compreensão da relação entre o sujeito aprendiz e o mundo que o circunda, em contexto escolar, como este que se constitui cenário para as narrativas aqui compartilhadas, particularmente a mediação entre o sujeito docente e o sujeito aprendiz é constitutiva do processo de ser mais e único em transformação como aprendiz, distinto do outro, mediador professor ou aluno. A concepção de autoformação esclarece a primazia e o modo único de ser de cada sujeito aprendiz, sem excluir a necessária mediação nos processos de aprendizagem e a busca do conhecimento teórico.
As atividades de iniciação à leitura e à escrita, concebidas e desenvolvidas pelos educadores responsáveis pelas turmas de alunos participantes de um processo de alfabetização, objeto da presente publicação, repousam fundamentalmente nos pressupostos explicitados nas argumentações anteriores e igualmente concebidas como convite à leitura crítica e formativa desta obra.
A intencionalidade deste prefácio não pretende se deter nos aportes distintos de cada modalidade de intervenção de um projeto de educação centrado na iniciação à leitura e à escrita em processos de alfabetização desenvolvidos na escola. Ao estabelecer o diálogo como eixo do projeto, as pesquisadoras e professores permitiram o surgimento de diversas opções de espaços e situações da vida cotidiana favoráveis ao despertar para a troca de reflexões ou ‘ideias’ incentivadoras de encontro com colegas de escola, ‘sujeitos outros’, em contextos de aprendizagem da leitura e da escrita.
O despertar para o diálogo formativo procedeu através de rodas de conversas sobre: o futebol, experiências vivenciadas e gêneros textuais diversos; os animais exóticos potencializando vivências lúdicas; a escrita do diário de bordo e os gêneros textuais; a história de vida e o texto autobiográfico; a biblioteca escolar e as linguagens da cultura humana; o cordel como prática cultural na sala de aula. Em vista a destacar a intenção fundante do processo pedagógico característico do projeto relatado em livro, finalizo destacando aleatoriamente breves formulações dos seus Autores:
* ’discute-se a leitura e escrita como processos dialógicos’;
* ’potencializa vivências lúdicas, desafiadoras e sistematizadas de leitura e de escrita’;
* ’o “encontro dialogado”, que consiste na valorização dos diálogos (escritos e oral) proferidos por todos os participantes de uma relação dialógica’ é fundamental em processos autoformativos que não desconsideram o outro;
* ’vivencia momentos de roda de conversa sobre as suas preferências, características, dentre outros aspectos relevando, de forma a perceber que somos diferentes’;
* ’incita a produção de textos individualmente, reescrevendo com a ajuda da professora e colegas’;
* ’reflete sobre as aprendizagens evidenciadas no âmbito de um processo de (auto e hetero) formação que envolveu alunos e professores’;
* ‘provoca a autonomização dos sujeitos envolvidos na produção escrita e, consequentemente, maior aprendizagem também nos aspectos referentes ao uso e à reflexão sobre a língua’;
* ’os resultados apontaram que as crianças aprendem muito sobre o sistema de escrita quando são dadas a elas oportunidades criadas, intencionalmente pelos adultos, para que reflitam sobre a linguagem escrita e a utilizem em sua função social’
Quem sabe estes elementos, somados a muitos outros, podem ser disparadores de novas conversas em que a palavra roda, alimentando sonhos de transformação de uma escola onde o diálogo é fundamental para a constituição de homens livres, e, como tal, são capazes de dizer/escrever a sua própria palavra.
Fica o convite à leitura!!!
Janeiro/2020
Jacques Therrien
Professor UFC e UECE
Ano de lançamento | 2021 |
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ISBN | 978-65-5869-605-6 |
ISBN [e-book] | 978-65-5869-606-3 |
Número de páginas | 176 |
Organização | Edith Maria Batista Ferreira, Joelma Reis Correia |
Formato |